Mensalidades (anuidades) escolares – acenos sobre sua disciplina jurídica

André Lucenti Estevam
Jonathas Lima Soler
Raphael Dias Santana
Candido Portinari, Roda infantil, 1932

Sumário: 1. Introdução. 2. Contornos Dogmáticos Atuais. 3. Histórico Normativo e Jurisprudencial. 4. Os Vetos à Lei n. 9.870/99. 5. Interpretação Sistemática (em um sistema móvel). 6. Considerações Jurídicas sobre a Planilha do Decreto n. 3.274/99. 7. Obtenção de Lucro no Exercício da Atividade. 8. Definição de Custeio. 9. A Tutela dos Interesses dos Alunos e a Continuidade da Comunidade Educativa. 10. Entre Faticidade e Normatividade. 11. Conclusão – colocação dogmática do tema e modelos educacionais.

 

1. Introdução

Diferentemente da maioria das atividades econômicas triviais, a prestação de serviços educacionais recebe (e tem recebido ao longo dos últimos, pelo menos, 30 anos) uma disciplina jurídica específica relativamente ao elemento preço, sobretudo no tocante à sua atualização.

Por meio de lei e decreto regulamentador, o Estado brasileiro disciplina as condições mediante as quais as anuidades escolares podem ser elevadas de um ano para outro. Esse tema coloca em questão não simplesmente regras técnicas (jurídicas e contábeis), mas visões de sociedades que o legislador preferiu favorecer e princípios de defesa dos interesses das crianças e dos adolescentes e de continuidade da comunidade educativa que o legislador decidiu tutelar.

No topo da ordem jurídica brasileira, o constituinte de 1988 determinou que o ensino deve ser livre à iniciativa privada (art. 209, caput), desde que se cumpram as normas gerais da educação nacional (inciso I ao art. 209) e se obtenham autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público (inciso II ao art. 209). Nesse sentido, é possível questionar: normas sobre aumento das anuidades escolares são normas gerais sobre educação nacional? O legislador infraconstitucional, ao limitar o aumento das anuidades escolares, estaria legislando dentro dos limites que a Constituição lhe permite?

Nas páginas seguintes, examinamos essas questões.

2. Contornos Dogmáticos Atuais

Atualmente, as escolas possuem margem de liberdade para estabelecer o valor inicial das anuidades para os alunos ingressantes. A partir do ano seguinte, entretanto, o aumento do valor das anuidades deverá obedecer aos critérios estabelecidos pela lei n. n. 9.870/99. Ou seja, a escola pode determinar a anuidade inicial para o aluno ingressante, mas não pode aumentar a anuidade nos anos seguintes ao seu talante, sem que esteja de acordo com lei.

Especificamente, a lei n. 9.870/99 vincula os possíveis aumentos no valor das anuidades à variação (comprovada) de “custos a título de pessoal e de custeio”. Estabelece o art. 1º dessa lei.

Art. 1º O valor das anuidades ou das semestralidades escolares do ensino pré-escolar, fundamental, médio e superior, será contratado, nos termos desta Lei, no ato da matrícula ou da sua renovação, entre o estabelecimento de ensino e o aluno, o pai do aluno ou o responsável.

  • 1º O valor anual ou semestral referido no caput deste artigo deverá ter como base a última parcela da anuidade ou da semestralidade legalmente fixada no ano anterior, multiplicada pelo número de parcelas do período letivo.
  • 2º (VETADO)
  • 3º Poderá ser acrescido ao valor total anual de que trata o § 1º montante proporcional à variação de custos a título de pessoal e de custeio, comprovado mediante apresentação de planilha de custo, mesmo quando esta variação resulte da introdução de aprimoramentos no processo didático-pedagógico. (Vide Medida Provisória nº 1.930, de 1999) (Incluído pela Medida Provisória nº 2.173-24, de 2001)
  • 4º A planilha de que trata o § 3º será editada em ato do Poder Executivo. (Vide Medida Provisória nº 1.930, de 1999) (Regulamento) (Incluído pela Medida Provisória nº 2.173-24, de 2001)
  • 5º O valor total, anual ou semestral, apurado na forma dos parágrafos precedentes terá vigência por um ano e será dividido em doze ou seis parcelas mensais iguais, facultada a apresentação de planos de pagamento alternativos, desde que não excedam ao valor total anual ou semestral apurado na forma dos parágrafos anteriores. (Vide Medida Provisória nº 1.930, de 1999) (Renumerado pela Medida Provisória nº 2.173-24, de 2001)

(…)

(grifos nossos)

Em vista do artigo legal supra transcrito, nota-se que o reajuste dos preços deve ser “proporcional à variação de custos a título de pessoal e custeio” em que o estabelecimento de ensino incorrerá. Há, portanto, no art. 1º, §3º, da Lei das Anuidades Escolares, conceitos jurídicos indeterminados, em princípio. A própria Lei das Anuidades Escolares não define o que se deve entender por “custos a título de pessoal” e “custeio”.

Por outro lado, a Lei das Anuidades Escolares delega para ato do Poder Executivo a competência para editar uma planilha que deve ser usada pelos estabelecimentos de ensino para demonstrar para os interessados qual será a variação de “custos a título de pessoal” e de “custeio” entre um e outro ano.

A planilha em questão foi modelada pelo Decreto n. 3.274/99 e possui o seguinte teor:

 

Modelo de Planilha do Decreto n. 3.274/99

Nome do estabelecimento:
Nome fantasia: CGC
Registro no MEC nº Data do Registro:
Endereço:
Cidade: Estado: CEP
Telefone: ( ) Fax ( ) Telex
Pessoa responsável pelas informações:
Entidade mantenedora:
Endereço:
Cidade: UF: Telefone ( ) FAX ( )

CONTROLE ACIONÁRIO DA ESCOLA

Nome dos Sócios

(Pessoa Física ou Jurídica)

CPF/CGC Participação do Capital
1
2
3
4
5
6
7
8

CONTROLE ACIONÁRIO DA MANTENEDORA

Nome dos Sócios

(Pessoa Física ou Jurídica)

CPF/CGC Participação do Capital
1
2
3
4
5
6
7
8

 

INDICADORES GLOBAIS

ANO-BASE ANO DE APLICAÇÃO (*)
No de funcionários:
No de professores:
Carga horária total anual:
Faturamento total em R$

(*) Valores/Quantidades estimados para o ano de aplicação

 

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA (se diferente do que consta acima):

Endereço: _____________________________________________________________________

Cidade: ________________________Estado: ____________________CEP: _______________

Mês da data-base dos professores: _________________________________________________

Local: ______________________________ Data: _______________

(Carimbo e assinatura do responsável) ______________________________________________

Nome do Estabelecimento:

Componentes de Custos

(Despesas)

ANO-BASE

(Valores em REAL)

ANO DE APLICAÇÃO

(Valores em REAL)

1.0 Pessoal
1.1 Pessoal Docente
1.2 Encargos Sociais
1.3 Pessoal Técnico e Administrativo
1.4 Encargos Sociais
2.0 Despesas Gerais e Administrativas
2.1 Despesas com Material
2.2 Conservação e Manutenção
2.3 Serviços de Terceiros
2.4 Serviços Públicos
2.5 Imposto Sobre Serviços (ISS)
2.6 Outras Despesas Tributárias
2.7 Aluguéis
2.8 Depreciação
2.9 Outras Despesas
3.0 Subtotal – (1+2)
4.0 Pró-Labore
5.0 Valor Locativo
6.0 Subtotal – (4+5)
7.0 Contribuições Sociais
7.1 PIS/PASEP
7.2 COFINS
8.0 Total Geral – (3+6+7)
Número de alunos pagantes
Número de alunos não pagantes

 

Valor da última mensalidade do ano-base R$ __________________________________

Valor da mensalidade após o reajuste proposto R$ ________________, em ___/___/1999.

Local: ________________________________ Data: ____/____/____

 

____________________________________
Carimbo e assinatura do responsável

 

Algumas das entradas são razoavelmente autoexplicativas; outras, comportam controvérsias; e há, ainda, uma entrada genérica que prevê “outras despesas”.

Nem a Lei das Anuidades Escolares, nem o decreto que a regulamenta, prevê como se deve interpretar a planilha supra transcrita.

Em vista da ausência de balizas legislativas mais explícitas sobre a interpretação das despesas e custos que admitem, validamente, o reajuste dos preços, é necessário fazer uma incursão no histórico dessa matéria na jurisprudência brasileira.

3. Histórico Normativo e Jurisprudencial

O tema do reajuste das anuidades escolares já foi objeto de disciplina jurídica em outros diplomas normativos.

Em abril de 1990, época de grande inflação, foi editada, no Governo Collor, a Medida Provisória n. 183, que posteriormente foi convertida na Lei n. 8.039/90. Tal lei já previa uma vinculação dos reajustes das anuidades escolares à política de estabilização de preços e salários do Governo. Nesse sentido previam os quatro primeiros artigos dessa lei:

Art. 1º Os reajustes das mensalidades das escolas particulares de 1º, 2º e 3º graus, bem assim das pré-escolas, referentes aos serviços prestados a partir de 1º de maio de 1990, serão calculados de acordo com o percentual de reajuste mínimo mensal dos salários em geral, fixado no inciso II, do art. 2º, da Lei nº 8.030, de 13 de abril de 1990.

Art. 2º Os valores das mensalidades escolares de abril de 1990 serão iguais aos praticados no mês de março anterior, obrigatória a homologação pelos Conselhos Federal e Estaduais de Educação e pelo Conselho de Educação do Distrito Federal, nos limites de suas respectivas competências.

  • 1º Os critérios de fixação de valores das mensalidades devidas até 31 de março de 1990, são os previstos na legislação anteriormente em vigor.
  • 2º As escolas apresentarão suas planilhas de custos ou complementação às já entregues, com, no mínimo, os valores das mensalidades cobradas em dezembro de 1988, julho de 1989, fevereiro e março de 1990, até o dia 7 de maio de 1990.
  • 3º Às escolas que não apresentarem suas planilhas na forma e prazo previstos no parágrafo anterior serão aplicadas as penalidades constantes da Lei Delegada nº 4, de 26 de setembro de 1962.
  • 4º Os Conselhos de Educação divulgação os valores das mensalidades de março de 1990, no âmbito de suas respectivas competências, até o dia 21 de maio de 1990.
  • 5º Por ocasião do pagamento das mensalidades de junho de 1990, será feita a compensação dos valores cobrados em desacordo com o valor-teto homologado para os meses de março, abril e maio, se houver.

Art. 3º O valor-teto fixado nos termos desta lei, para o mês de março, constituirá a base de cálculo para os reajustes de maio de 1990 e assim sucessivamente.

Art. 4º Serão nulos, de pleno direito, quaisquer aumentos de mensalidades escolares autorizados após 15 de março de 1990, em desacordo com a política de estabilização de preços e salários do Governo.

A Lei n. 8.039/90 foi objeto de discussão no Supremo Tribunal Federal (STF). A Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEM) ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI n. 319/DF) alegando, em suma, que (i) a exploração da escola particular é livre à iniciativa privada, só podendo sofrer intervenção do Poder Público dentro dos limites do art. 209 da Constituição (que trata das normas gerais da educação nacional, autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público); (ii) o congelamento dos preços levaria os estabelecimentos de ensino à insolvência; e (iii) a intervenção do Poder Público nos preços cobrados pelos estabelecimentos de ensino somente pode ser feita a posteriori, dentro dos limites do §4º do art. 173 da Constituição, que prevê a coibição do abuso do poder econômico e aumento arbitrário dos lucros.

A ADI n. 319/DF foi relatada pelo Ministro Moreira Alves, que capitaneou o voto vencedor. Em seu voto, o Ministro consignou que era necessário interpretar os dispositivos questionados conciliando a livre iniciativa e a livre concorrência com a defesa do consumidor e a redução das desigualdades sociais, podendo o Estado, portanto, “por via legislativa, regular a política de preços de bens e de serviços”, sendo “abusivo o poder econômico que visa ao aumento arbitrário dos lucros”. O Ministro invocou a doutrina nacional e estrangeira de maior relevo e consignou que os princípios acima citados, se tomados de modo absoluto, seriam irreconciliáveis. Em seu entender, o equilíbrio entre eles não poderia ser alcançado apenas com a intervenção a posteriori do Poder Público, sendo necessária, para proteção do consumidor, a intervenção a priori.

Os demais ministros do STF acompanharam o voto do relator, com a exceção do Ministro Marco Aurélio Mello, que dissentiu em relação à declaração de constitucionalidade do art. 1º da Lei n. 8.039/90. De acordo com o Ministro Marco Aurélio Mello, tal dispositivo afrontaria o princípio da livre iniciativa e o art. 209 da Constituição (acima referido) não daria guarida para uma intervenção de tal natureza do Poder Público.

Na fala do Ministro Marco Aurélio, é possível entender que não é só uma questão de interpretação gramatical. A controvérsia, de fato, residia na diferença de ideia de sociedade que se possui e se deve atingir. Tal ministro defendia a posição segundo a qual a livre iniciativa deve prevalecer sobre qualquer forma de controle social a priori sobre a decisão do aumento da anuidade escolar.

A lei de 1990 vigeu por pouco tempo e foi revogada pela Lei n. 8.170/91, a qual introduziu uma nova disciplina normativa sobre o tema do reajuste das anuidades escolares. A Lei n. 8.170/91 teve vigência até 1999, quando foi revogada pela Lei das Anuidades Escolares, a qual se encontra até hoje vigente.

A Lei n. 8.170/91 rompeu com a lógica da legislação anterior, que vinculava os reajustes de anuidades escolares à política nacional de estabilização de preços. A Lei de 1991, por seu turno, previa que os reajustes seriam objeto de negociação entre os estabelecimentos de ensino, de um lado, e alunos, pais ou responsáveis, de outro lado. A proposta a ser negociada deveria ser apresentada pelo estabelecimento de ensino com vistas a “compatibilizar os preços com os custos”.

Nesse sentido, previa o art. 1º da Lei n. 8.170/91:

Art. 1° A fixação dos encargos educacionais, referentes ao ensino nos estabelecimentos particulares de ensino de nível pré-escolar, fundamental, médio e superior será objeto de negociação entre os estabelecimentos, os alunos, os pais ou responsáveis, a partir de proposta apresentada pelo estabelecimento, com base nos planejamentos pedagógico e econômico-financeiro da instituição de ensino, procedendo, obrigatoriamente, à compatibilização dos preços com os custos, nestes incluídos os tributos e acrescidos da margem de lucro, até quarenta e cinco dias antes do início das matrículas, que será considerada acordada, no caso de não haver discordância manifesta, na forma desta lei.

  • 1° No caso de haver discordância em relação à proposta apresentada, o processo de negociação iniciar-se-á no prazo máximo de dez dias, a partir da data da publicação ou postagem da proposta apresentada pelo estabelecimento, por iniciativa individual de qualquer pai ou responsável, apoiado por, no mínimo, dez por cento de outros pais ou responsáveis, com dependentes matriculados na instituição; por iniciativa da associação de pais da referida instituição, com dependentes nela matriculados por iniciativa da Associação Estadual de Pais ou por iniciativa da Federação Nacional de Pais; sendo que, para os efeitos desta lei, a associação de pais, ligada à instituição, deve ser integrada por, no mínimo, quarenta por cento dos pais ou responsáveis, com dependentes nela matriculados; a Associação Estadual de pais deve ser integrada por, no mínimo, quarenta por cento das associações de pais, ligadas a cada instituição e a Federação Nacional de Pais deve ser integrada por, no mínimo, quarenta por cento das associações estaduais existentes no País.
  • 2° A iniciativa de qualquer das associações referidas no parágrafo anterior deverá obter o apoiamento de, no mínimo, dez por cento dos pais ou responsáveis pelos alunos matriculados na instituição.
  • 3° No caso das instituições privadas de ensino superior, a iniciativa e a representação cabem ao respectivo diretório acadêmico.
  • 4° Não havendo acordo entre as partes, cabe recurso, em primeiro lugar, para a instância administrativa e, em segundo lugar, para a instância judicial, nos termos do art. 5°, inciso XXXV, da Constituição Federal.
  • 5° A instância administrativa, prevista neste artigo, será exercida na Delegacia Regional do MEC, por uma comissão de encargos educacionais, composta, paritariamente, por três representantes indicados pelos sindicatos dos estabelecimentos particulares e por três representantes indicados pelas associações estaduais de pais, ou por três representantes dos diretórios acadêmicos, no caso de estabelecimento de ensino superior, e será presidida pelo Delegado Regional do MEC, sem direito a voto, e decidirá no prazo de dez dias úteis.
  • 6° Persistindo o impasse, o presidente da Comissão de Encargos Educacionais dará por encerrada a instância administrativa, cabendo às partes recorrer ao Poder Judiciário, que deverá apreciá-lo em rito sumaríssimo.

(…)

(grifos nossos)

A solução adotada pela Lei n. 8.170/91 encontrava vários inconvenientes práticos e foi substituída pelo mecanismo adotado pela Lei n. 9.870/99, acima já mencionada. Esta última lei, entretanto, deve ser interpretada não somente pelo seu texto aprovado, mas também pelos trechos vetados, como veremos adiante.

4. Os Vetos à Lei n. 9.870/99

O histórico de leis brasileiras sobre a possibilidade de intervenção do Poder Público no reajuste de anuidades escolares e o modo como o STF realizou o balanceamento entre princípios que favorecem à iniciativa privada, de um lado, e princípios que favorecem o interesse público dos consumidores dos serviços de ensino nos mostram que, nesta matéria em particular – reajuste de anuidades escolares – terá maior peso, em tese, o princípio que protege os consumidores[1].

As disputas dentro do STF na época do julgamento da ADI n. 319/DF já mostrava a existência de uma disputa explícita entre um modelo de Estado Social e a lógica liberal de laissez faire em torno do tema da educação privada. A jurisprudência da época decidiu pela interpretação constitucional segundo a qual o Estado, por força da Constituição, deve se comportar como um Estado Social. Ou seja, deve haver uma prevalência do controle social (estatal) sobre determinadas questões que dizem respeito à direitos e garantias fundamentais, como a educação (ainda que privada).

Como consequência da observação anterior, seria possível supor, em princípio, que a interpretação do significado das entradas da planilha deverá ser estrita ou mesmo restritiva.

Essa conclusão é corroborada, ainda, pelas razões do veto presidencial ao §2º do art. 1º da Lei n. 9.870/99.

O art. 1º, §2º, da Lei 9.870/99 possuía, inicialmente, a seguinte redação:

  • 2o Ao valor anual ou semestral base, referido no parágrafo anterior, poderá ser acrescido, anualmente, valor proporcional correspondente, entre outros, a dispêndios previstos para o aprimoramento do projeto didático-pedagógico do estabelecimento de ensino, assim como os relativos à atualização de seus custos a título de pessoal, custeio, tributos e encargos sociais.

Colhe-se do veto presidencial:

“Impõe-se o veto ao dispositivo citado em razão do acréscimo da expressão “entre outros” à redação original do § 2o do art. 1o da Medida Provisória no 1.890-67, de 22 de outubro de 1999. Com efeito, a enumeração das hipóteses aptas a autorizar acréscimo ao valor anual ou semestral base dos serviços de educação escolar pretendia consubstanciar um elenco estrito e insuscetível de ampliação. Na medida em que se introduz a cláusula geral representada pela expressão “entre outros”, a enumeração torna-se meramente exemplificativa e, com isso, admitem-se fundamentos adicionais para acréscimos ao valor total das anuidades ou semestralidades escolares. Dado o evidente escopo de restringir a elevação arbitrária dos valores das anuidades escolares, teleologia última do Projeto de Lei de Conversão bem como da Medida Provisória originária, a admissão de uma cláusula geral na enumeração inserta no § 2o do art. 1o do Projeto de Lei de Conversão desqualifica uma disposição cuja efetividade depende essencialmente de seu caráter numerus clausus. A referência genérica a fundamentos adicionais para acréscimos nos valores de anuidades escolares opera no sentido de viabilizar a retomada de práticas abusivas em matéria em que se deve conciliar o “fundamento da livre iniciativa e do princípio da livre concorrência com os de defesa do consumidor e da redução das desigualdades sociais, em conformidade com os ditames da justiça social”, conferindo-se ao Estado o poder de, “por via legislativa, regular a política de preços de bens e serviços, abusivo que é o poder econômico que visa ao aumento arbitrário dos lucros” (Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade no 319, Relator Ministro Moreira Alves, Revista Trimestral de Jurisprudência 149/666). Nessas condições, o respeito ao escopo do próprio Projeto de Lei de Conversão bem como a prevalência do interesse público exigem seja a disposição vetada.”[2] (grifo nosso)

Ou seja, o legislador, inicialmente, desejava que houvesse uma latitude de possibilidades indeterminadas a priori dentro da qual os estabelecimentos de ensino poderiam expor, com margem de liberdade, os custos e despesas que estariam a ensejar o pertinente reajuste de suas anuidades. O veto presidencial, por seu turno, estabelece que o rol de hipóteses de despesas e custos que admitem o reajuste das anuidades escolares deve possuir caráter numerus clausus, isto é, trata-se de um rol fechado de hipóteses.

Ainda assim, permanece a questão: a rubrica “outras despesas” da planilha pode comportar despesas de qualquer natureza? Se o objetivo da Presidência era estabelecer um rol fechado de hipóteses, por que há uma rubrica que abarca hipóteses indeterminadas de despesas?

Em princípio, pode-se afirmar que, uma vez que a rubrica “outras despesas” foi expressamente consignada pelo Poder Público na planilha especialmente editada para a exposição dos custos e despesas que legitimam o reajuste dos preços, é lícito que tal rubrica seja utilizada pelos estabelecimentos de ensino. As limitações ao uso dessa rubrica devem observar a teleologia geral da Lei das Anuidades Escolares, ou seja, tais despesas (outras) devem, direta ou indiretamente, se reverter em benefício dos alunos.

5. Interpretação Sistemática (em um sistema móvel)

Considerando (i) o texto vigente da Lei n. 9.870/99, (ii) as razões do veto àquele que seria um importante dispositivo que daria mobilidade ao microssistema ora em análise; (iii) o regulamento da Lei n. 9.870/99 (trazido pelo Decreto n. 3.274/99); e (iv) o histórico do tema no STF, é possível avançar na construção de uma interpretação sistemática desse microssistema que disciplina as anuidades escolares.

Podemos observar, em princípio, que, em tal microssistema, há partes mais rígidas e há partes mais móveis[3].

A planilha prevista no regulamento, por exemplo, pode ser interpretada como uma parte predominantemente rígida (apesar de conter, dentro dela, uma válvula de escape que consiste na rubrica “outras despesas”). As partes que seriam, em princípio, móveis, devem se adequar às partes rígidas do microssistema – ou seja, a variação de “custos a título de pessoal” e de “custeio”, que são, em tese, conceitos móveis e indeterminados, devem se adequar e se conter dentro dos conceitos (rígidos) previstos na planilha. Aquelas rubricas da planilha que não se enquadram como “despesas com pessoal”, em princípio, corresponderão às variações de despesas e custos referidas na Lei n. 9.870/99 simplesmente como “variação de custeio” (observada a teleologia geral da Lei das Anuidades Escolares, conforme explicado acima).

6. Considerações Jurídicas sobre a Planilha do Decreto n. 3.274/99

A Lei n. 9.870/99, ao prever que os reajustes das anuidades deverão ser proporcionais a certas espécies de despesas, indica que tais despesas serão apresentadas na forma de uma planilha a ser editada por decreto.

Ou seja, os estabelecimentos de ensino podem elaborar seus livros contábeis de acordo com os princípios e métodos que lhe aprouverem (dentro dos limites legais e técnicos), mas, para efeitos de reajuste das anuidades, deverão preencher a planilha prevista no regulamento da Lei de Anuidades Escolares.

Deve-se notar, entretanto, que, a despeito da relativa margem de liberdade que cada instituição de ensino possui ao efetuar seus registros contábeis e também ao elaborar a planilha prevista no Decreto n. 3.274/99, é de se esperar uma razoável coerência com a metodologia historicamente empregada pela instituição. Mudanças radicais e repentinas no método de contabilidade e registro exigem explicações especiais.

Note-se, ainda, que a planilha, tal como editada no Decreto n. 3.274/99, realiza um recorte nas demonstrações financeiras preparadas pelos estabelecimentos de ensino, isto é, seleciona as informações que interessam para o reajuste previsto na Lei de Anuidades Escolares. Se houvesse alguma rubrica, dentro da planilha, que não pudesse justificar um reajuste de preços, então, alternativamente, ou (i) um dos diplomas normativos deveria ter consignado a exceção, ou (ii) a rubrica não deveria ter sido prevista na própria planilha. No primeiro caso, a norma excepcional seria necessária, pois não se pode, segundo os cânones hermenêuticos, deduzir uma exceção implícita a partir de regras gerais ou princípios; e, no segundo caso, a Presidência, ao editar tal planilha, possuía razoável margem de discricionariedade para indicar o que seriam as despesas que ensejam o reajuste de anuidade escolar (ou seja, bastava não prever tal rubrica indesejada na planilha).

7. Obtenção de Lucro no exercício da Atividade

A Lei das Anuidades Escolares, diversamente da lei anterior de 1991, não faz referência aos lucros que a instituição de ensino pode auferir. Em princípio, utilizando-se uma interpretação estrita – que é frequentemente necessária nos microssistemas regulados –, a conclusão preliminar seria a de que não se pode reajustar os preços com o objetivo de aumentar a rentabilidade da atividade. Isto é, o estabelecimento de ensino pode buscar aumentar sua lucratividade ao estabelecer o valor das anuidades dos ingressantes, mas, em tese, não poderia fazê-lo ao aumentar o valor das anuidades na passagem de um ano para outro.

O pensamento jurídico de algumas décadas atrás provavelmente corroboraria tal conclusão, inclusive apartando a prestação de serviços educacionais (geralmente associados a serviços de caráter público), de um lado, e as atividades empresariais, de outro lado.

O Ministro Paulo Brossard, a propósito do julgamento da ADI n. 319/DF, expressou de modo muito claro o espanto ao se deparar com a possível aplicação da norma que veda aumento arbitrário de lucros às instituições de ensino[4]:

“O art. 173, § 4º, também não me parece tenha incidência nesta área específica da Educação, a ponto de tisnar a sanidade jurídica da Lei, que poderá ter até os seus defeitos, não estou defendendo o mérito da Lei, mas não me parece aplicável ao Ensino norma que diz respeito à atividade econômica propriamente dita, ao abuso do poder econômico (…). É claro que alguém que abre uma escola – seja uma pessoa física ou seja uma pessoa jurídica, seja uma sociedade civil ou seja uma corporação religiosa – terá de auferir uma remuneração mínima que lhe assegure a manutenção e conservação do serviço, a menos que possa contar, e conte efetivamente, com outras fontes de renda. Normalmente esse serviço há de ser remunerado, e como toda remuneração deve cobrir as despesas e ensejar uma margem que eu não diria de lucro, porque não se trata de atividade econômica propriamente dita, mas de uma sobra que permita não só a conservação como a melhoria do serviço. Mas, repito, não me parece seja aplicável ao serviço do Ensino regra específica para a atividade econômica propriamente dita. E no caso até para o abuso do poder econômico, ‘a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros’. Acho mesmo que seria preciso forçar o sentido das palavras para aplicar esta regra constitucional ao setor do Ensino, embora possa ocorrer a exploração mercantil do Ensino. Mas não é a regra! Entre nós, pelo menos até onde eu conheço, a regra é no sentido contrário. É que o magistério é muito mais um modo de vida do que um meio de vida, e o magistério é a parte maior do ensino e da educação. Realmente, nunca se viu um professor enriquecer, nem mesmo os professores vinculados ao sistema oficial. Pode ocorrer uma organização modelada empresarialmente? Pode! Não nego que possa haver, e não nego até que haja. Mas creio que o preceito constitucional quando fala em abuso do poder econômico, dominação dos mercados, eliminação da concorrência, aumento arbitrário dos lucros, não está pensando no Ensino!

Volto a dizer que não nego possa haver exploração mercantilizada do Ensino; mas se existe é por tolerância e complacência da Administração Pública. (…)”

Ou seja, quando o STF considerou, em obter dictum, a possibilidade de as instituições de ensino desenvolverem suas atividades de modo empresarial, tal hipótese foi parcialmente afastada. E, ainda que o Ministro aludido acima tenha reconhecido que há casos de exploração empresarial do ensino, há uma censura sobre tal fato, revelada na “complacência da Administração Pública”. Tal Ministro, conquanto saiba que o ensino pode ser explorado pela iniciativa privada, certamente tinha em mente, em primeira linha, que o fornecimento de ensino possui natureza de serviço público.

Atualmente, entretanto, parece ser uma questão superada que as instituições de ensino possam ser geridas de modo empresarial. Mais ainda: mesmo associações de direito privado podem exercer atividades econômicas. Nesse sentido, a Apelação n. 9165714-49.2006.8.26.0000 (julgada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em 18 de outubro de 2011) esclarece a posição já sedimentada da jurisprudência e da maioria da doutrina:

“(…) A legislação pátria não veda às associações o exercício de atividade econômica, sendo certo que o art. 53 do Código Civil apenas menciona que elas se constituem pela “união de pessoas que se organizem para fins não econômicos”.

Forçoso concluir que mesmo havendo prestação de serviço de cunho econômico, a associação não perderá sua natureza se não tiver por objeto a partilha dos resultados, ou seja, a associação não pode ter proveito econômico imediato, o que não impede, contudo, que determinados serviços que preste sejam remunerados e que busque auferir renda para que atenda às suas finalidades.

Nesse sentido lecionam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery in Código de Civil Comentado e Legislação Extravagante, 7ª edição, Ed. Revista dos Tribunais, 2009, comentários ao art. 53, item 3, pág. 266 “…as associações se propõem a realizar atividades não destinadas a proporcionar interesse econômico dos associados.” “As associações podem participar de atividades lucrativas para alcançar objetivos. O que não faz parte da essência da associação é o lucro como finalidade. O eventual lucro arrecadado por esta associação deve ser nela “reinvestido”. “Não se permite, entretanto, que a associação favoreça economicamente os seus membros”. (…) (grifos nossos)

Se a associação desempenha a atividade econômica com elementos de empresa, então, em princípio, ela desenvolverá mais do que uma atividade econômica – ela desenvolverá uma atividade empresarial. Quanto a esse aspecto, também não há óbices legais[5]. A distinção realmente importante a esse respeito é aquela que divisa lucro objetivo e lucro subjetivo. Admite-se a primeira forma de lucro, aquele que é mantido dentro do patrimônio da associação. Por outro lado, a segunda forma de lucro é vedada pela disciplina jurídica das associações, isto é, não se admite a distribuição de resultados econômicos entre os associados. Ou seja, os resultados econômicos da atividade econômica (ou mesmo empresarial) desempenhada pela associação devem ser reinvestidos na própria associação.

Não há, na rigidez da planilha do Decreto n. 3.274/99, uma rubrica que, diretamente, autorize o reajuste dos preços para atender ao eventual desejo da administração da instituição de ensino de aumentar uma margem (já existente) de lucro. Por outro lado, parece irrazoável que a Lei das Anuidades Escolares tenha condenado (implicitamente?) as instituições de ensino a manterem a mesma margem de lucro para sempre – ou ainda, tenha condenado tais instituições a um teto para os seus lucros ou mesmo vedado aumentos de preço que visem à reconstituição de um índice de lucratividade que tenha sido perdido. Pode ser, hipoteticamente, que a instituição perca lucratividade em certos anos e tal lucratividade chegue próximo de zero. Mesmo assim, tal instituição não poderia realizar um reajuste que aumentasse, também, moderadamente, sua lucratividade (e, assim, assegurar sua sobrevivência no futuro)?

As interpretações de normas que levam a situações absurdas ou irrazoáveis tendem a ser repudiadas pela ciência do direito e pela jurisprudência – neste ponto entra, novamente, uma ponderação de princípios.

Há um termo que medeia a rigidez da planilha, de um lado, e o reajuste que se pode aplicar aos preços, de outro lado. Tal termo, previsto na lei, é o “proporcional”.

A Lei n. 9.870/99 prevê que o reajuste seja proporcional à variação dos custos. Entretanto, a lei não qualifica tal proporcionalidade. Deveria se tratar de uma proporcionalidade estrita? Ou a proporcionalidade comporta aproximações?

Tal indagação é necessária e pertinente, pois o termo “proporcional”, e, especialmente, o princípio da proporcionalidade, em direito, estão ligados a uma ponderação aproximada, e não a soluções de more geometrico. Ao se decidir, aqui, se a proporcionalidade será estrita (em defesa do consumidor, em um curto prazo), ou se a proporcionalidade poderá ser aproximada (em benefício das instituições de ensino), será necessário um exame casuístico, pois o peso dos princípios varia de caso para caso. Nessa ponderação, seria cabível discutir a necessidade da medida, a adequação e a proporcionalidade em sentido estrito. Em suma, seria preciso considerar de modo mais concreto as variáveis econômicas que sugerem o aumento da lucratividade para se realizar uma ponderação dos princípios mais substantivada, considerando cenários de curto e longo prazo.

8. Definição de Custeio: custo total e custo por aluno pagante

Também devemos investigar se o reajuste de preços admitido pela legislação considera a variação de despesas totais da instituição de ensino (contanto que sejam despesas enquadráveis na planilha) ou se esse reajuste considera a variação das despesas em relação à variação do número de alunos pagantes da instituição.

Em princípio, a segunda metodologia de cálculo parece atender mais aos fins da legislação.

Em primeiro lugar, o regulamento da Lei das Anuidades Escolares expressamente consigna que a planilha indique a variação do número de alunos pagantes e não pagantes. Com efeito, pode ocorrer a situação em que o montante total de despesas listadas na planilha tenha aumentado de um ano para outro, mas pode ser que, simultaneamente, o número de alunos tenha aumentado mais do que as despesas, proporcionalmente. Como consequência, em tal cenário hipotético, o aumento das anuidades não seria lícito, pois os alunos atuais já seriam suficientes para custear todas as despesas da instituição.

Em segundo lugar, importa destacar que a lei expressamente emprega o termo “custeio” (conforme vimos acima), que designa, genericamente, o ato de custear, financiar. Ou seja, para a legislação, não basta observar apenas o aumento das despesas sem observar o número de alunos custeando tais despesas.

9. A Tutela dos Interesses dos Alunos e a Continuidade da Comunidade Educativa

Diante do que se expôs, afigura-se equivocado simplificar e reduzir a anuidade escolar a um mero elemento de um contrato de direito privado. A anuidade escolar representa um componente fundamental para a constituição e continuidade de comunidades educativas. Ao disciplinar esse tema, protegendo os interesses das crianças e adolescentes, o legislador busca evitar que o aluno tenha que migrar de escola para escola, a cada ano, em razão de aumentos surpreendentes no valor da anuidade, causando rupturas na comunidade que o aluno integra. Essa escolha de priorização do legislador, bem como a visão de escola (como comunidade educativa, e não como pessoa jurídica de direito privado), constituem importantes vetores para a interpretação da disciplina jurídica do tema das anuidades escolares.

A pintura de Portinari retratada no início deste texto – Roda Infantil, de 1932 – é rica de símbolos e significados, mas podemos ressaltar, para os propósitos deste brevíssimo ensaio, o sentido lúdico e social que uma simples rede (ou roda) de sociabilidade pode produzir. O simples estar junto e brincar junto – sem sequer a mediação de um brinquedo – engendra uma rede de afetos, vínculos e sociabilidade para as crianças e adolescentes envolvidas nesse circuito, e romper essa rede, abruptamente

e, pode ser negativo para o desenvolvimento da criança e do adolescente.

10. Entre Faticidade e Normatividade

O tema das anuidades escolares, no momento prático-judicativo dos conflitos, suscita discussões não somente jurídicas, mas fáticas, contábeis e financeiras. Isto é, quando se discute, concretamente, sobre a adequação do aumento da anuidade escolar de um ano para outro, o conhecimento técnico contábil e financeiro também deve ser invocado – e, quando a controvérsia é levada ao Poder Judiciário, é necessária a realização de perícia técnica para se examinarem as planilhas e documentos de suporte respectivos que embasam o aumento da anuidade em questão. Por outras palavras, a eventual controvérsia sobre o aumento das anuidades escolares não constitui, em princípio, em seu mérito, uma questão puramente jurídica.

11. Conclusão – colocação dogmática do tema e modelos educacionais

A disciplina jurídica das anuidades escolares é muito mais complexa do que se pode supor. O tema das anuidades escolares está imerso em um universo em que interagem visões jurídicas, sociais, econômicas e políticas sobre o que deve ser e como deve funcionar o estabelecimento de ensino privado.

O constituinte de 1988 colocou o direito à educação (bem como seu modo de implementação e seus princípios) em posição de destaque e superioridade em relação a outros bens juridicamente tutelados. Em razão dessa colocação constitucional peculiar da educação, as regras ordinárias de livre mercado e livre iniciativa não se lhe aplicam.

Nesse sentido, há que se observar que o constituinte e o legislador fizeram escolhas (jurídicas, econômicas, sociais, políticas) para modelar o sistema de educação privado que entenderam adequado para o Brasil – e é dentro desse sistema que as normas sobre anuidades escolares podem ser interpretadas e manejadas.

 

[1] Note-se, por oportuno, que, por diversas razões, é possível que ocorra o fenômeno da mutação constitucional. Nessa hipótese, o texto do dispositivo constitucional interpretado não muda, mas a interpretação sobre ele se altera. Sobre o tema da mutação constitucional, cf. Luis Roberto Barroso, Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, São Paulo, Saraiva, 2009, p. 122 e ss. É possível, inclusive, que a o STF, hoje, adotasse uma ponderação sobre os princípios em questão diferente daquela adotada pelo Ministro Moreira Alves.

[2] Note-se que apenas após os vetos presidenciais é que os §§ 3º e 4º foram adicionados ao art. 1º da lei em referência.

[3] Sobre esse assunto, cf. (i) W. Wilburg, Entwicklung eines beweglichen Systems im bürgerlichen Recht, Graz, Styria, 1950; e (ii) Claus-Wilhem Canaris, Systemdenken und Systembegriff in der Jurisprudenz, 2.ed., Berlin, Duncker u. Humblot, 1983.

[4] Trata-se da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 319/DF,

[5] Rodrigo Xavier Leonardo, As Associações sem Fins Econômicos, São Paulo, RT, 2014.

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